É forte. É chocante. E é de verdade. Guerras têm sido um dos principais tópicos da viagem. Por onde andamos, marcas e consequências de guerra nos mostram toda ganância, egoísmo e vício pelo poder que a humanidade tem. Esbarramos no apartheid, na guerra do Vietnã, na invasão do Tibete, na guerra da Iugoslávia e também nos menos conhecidos golpes militares na Tailândia e na guerra civil no Camboja.
Mas foi entrando na Europa, pelo leste, que ficamos frente a frente com a mais famosa de todas, a Segunda Guerra Mundial. Aquela entre a Primeira Guerra e a Guerra Fria. É… É muita guerra pra um parágrafo só.
Começamos pela Rússia, que tenta com muito empenho mostrar a importância, verídica e legítima, da batalha de Stalingrado para o enfraquecimento do exército de Hitler. Depois, passamos pela Croácia e Hungria, que foram ocupadas pelos alemães e sofreram horrores. Passamos também pela República Checa e sua incrível Praga, tão linda e charmosa que amoleceu o coração de Hitler e saiu praticamente ilesa.
Mas, entre a Hungria e a República Checa, está a Polônia. E, foi lá que tudo começou. Que a Segunda Guerra Mundial começou. A primeira invasão. A primeira bomba. Dia 1º de setembro de 1939. E é lá na Polônia que se construiu o primeiro e maior de todos os complexos de campos de concentração do nazismo: Auschwitz-Birkenau.
Na história de Auschwitz se misturam poder, opressão, humilhação, vergonha, coragem e covardia. Pensada para ser oficialmente um campo de trabalho forçado, sua construção exigiu a retirada de centenas de famílias da vila de Birkenau para dar lugar a mulheres, crianças e homens judeus de mais de 15 nacionalidades, além de desertores, ciganos e outras tribos. Dois movimentos aconteciam simultaneamente na região: a segregação dos judeus no bairro de Kazimirez em Cracóvia e o envio de outra parte para os campos em Auschwitz.
Como chegar em Auschwitz
A viagem de Cracóvia para Auschwitz leva aproximadamente 1 hora e meia de ônibus. É bem fácil e barato sair da rodoviária de Cracóvia. Há muitas linhas disponíveis, é só chegar e perguntar pelo próximo horário. Custa 4 dólares/pessoa. Entre uma chacoalhada e outra, chegamos, enfim. Quando descemos do ônibus, por mais incrível que pareça, não sentíamos que estávamos lá. São tantas pessoas circulando, excursões chegando e saindo, lanchonetes, que até parecia uma lugar turístico qualquer. #sqn
Em Auschwitz
A entrada é “grátis”, mas nos informaram que só poderíamos conhecer o lugar se fizéssemos o tour guiado, que custa 12 dólares/pessoa. Em inglês, há turmas a cada 30 minutos. Com menor frequência, há também tours em alemão, francês, espanhol e russo. O ideal é programar o dia todo: entre a ida, a visita e a volta, são praticamente 8 horas.
Depois do primeiro contato visual, começamos a andar em direção à recepção de turistas, e muitos pensamentos e sentimentos se apoderavam da gente: angústia, ansiedade, curiosidade e medo: será que vamos ficar deprimidos?”, “não é que estou aqui mesmo?”, “que maluco tudo isso”, “Auschwitz”… Mas aí todo o processo de pegar fila, comprar tickets, pegar fila de novo, pegar o áudio, pegar fila, comprar alguma coisa pra comer, esperar pelo guia no corredor junto com mais umas 50 pessoas, tudo isso fez novamente parecer que estávamos em um lugar comum.
Foram 3 horas para visitar Auschwitz I e II. O complexo é basicamente dividido em três partes: Auschwitz I, Auschwitz II e Auschwitz III. O primeiro abrigava a parte administrativa, o segundo, bem maior, abrigava os prisioneiros, e o terceiro reunia os prisioneiros para trabalho escravo nas indústrias que se estabeleciam nas imediações. Auschwitz, aliás, é a tradução alemã para Oswiecim (o nome tem alguns acentos que meu teclado não conseguiu reproduzir), cidade que rodeava o complexo.
Quando enfim encontramos nossa guia e iniciamos o tour, começou a chover! Os tijolinhos marrons dos prédios, os pedregulhos no chão, a dramaticidade na voz da nossa guia e a chuva fininha formavam um cenário que parecia de filme. Abrimos o guarda-chuva e entramos em cena.
Hoje, acredita-se que o número de judeus mortos nos campos de Auschwitz é de aproximadamente 1, 1 milhão. 1 ano era o tempo médio de permanência de uma pessoa nos campos (ou morriam ou eram soltas). Mulheres e crianças eram separadas dos homens. Todos os dias chegavam vagões carregando centenas de famílias. O complexo entrou em funcionamento no começo de 1940 e assim permaneceu até o dia 27 de janeiro de 1945, quando os soviéticos libertaram os prisioneiros. Conforme avançávamos mais entendíamos alguns porquês.
Primeiro porquê. Por que estávamos lá?
Porque nos sentimos parte da história do mundo. Pisar na mesma plataforma de desembarque dos passageiros, entrar nos prédios em que eles eram alojados, andar pelo mesmo gramado, atravessar o mesmo portão que eles e olhar para fora pela mesma cerca de arame farpado.
Segundo porquê. Conhecer a história sob o ponto de vista deles.
O complexo foi transformado em museu em 1947 e é assim até hoje. Simples e direto, ele conta a história de abusos e maus tratos que os judeus sofreram na mão dos nazistas. Das 18 horas de trabalho por dia, da alimentação super restrita baseada em pão e chá, das condições sub-humanas de higiene, da humilhação na hora do banho e do uso do toalete comunitário. Do nada confortável quarto de dormir, onde 3 ou 4 pessoas se amontoavam numa mesma cama, das torturas e punições sofridas por quem se rebelava.
Terceiro porquê. O Holocausto é um tabu
Pesquisando mais sobre Auschwitz antes da visita, acidentalmente, encontramos um artigo de um historiador brasileiro que faz parte de um grupo que tenta provar que Auschwitz não era um campo de extermínio, mas sim um campo de concentração, de trabalho forçado. Foi lendo o texto pela primeira vez e nos deparando com aquelas hipóteses que percebi que o Holocausto é um tabu.
Senti muita vergonha em “me permitir por um minuto pensar que talvez” alguma coisa do texto pudesse ser verdadeira. Que, de repente, todas aquelas histórias que ouvimos sobre as câmaras de gás tivessem sido inventadas pelos Aliados (EUA, Rússia e demais) como estratégia para difamar o nazismo. Que muitos judeus foram mortos de fome, esgotamento físico e como resultado das torturas, mas nunca queimados em nenhuma câmara de gás.
Com este inquietante artigo na cabeça, andamos por Auschwitz e sempre que alguns de seus argumentos me vinham à mente, me sentia como uma traidora, uma herege. Como, em sã consciência, eu poderia cogitar considerar tais argumentos?
Quarto porquê. Não foi depressão o que mais sentimos.
Mais do que deprimidos, ficamos indignados, revoltados e chocados o tamanho da crueldade que a humanidade foi capaz de produzir e perpetuar. Depois de visitar tantos museus e conhecer tantos lugares que ainda vivem as consequências de uma guerra, saímos com a certeza de que é preciso lutar pela tolerância. E isso me leva ao último porquê.
Quinto porquê. A importância do museu de Auschwitz para a conscientização do mundo
É imprescindível a manutenção de Auschwitz e de tantos outros museus de guerra, como também o é o crescimento do turismo a esses lugares. “Turismo questionativo”, talvez? Precisamos entrar em contato direto com barbáries desse tipo e saber das suas consequências. Precisamos entender como o preconceito, as certezas absolutas e a soberba podem causar enormes estragos, irremediáveis, mesmo que no seu entendimento, tudo pareça legítimo.
Pra mim, a história de Auschwitz mistura o poder de um líder totalitário e manipulador, com o rancor de uma população humilhada e altamente manipulável. A isso, soma-se a coragem daqueles que lutaram contra o regime e a covardia daqueles que tiveram chance e nada fizeram. Uma vergonha humana, um tabu social, e a triste certeza de que ainda não estamos no caminho inverso.
A história está aí para nos esfregar na cara o resultado das nossas ações e para nos questionar o que queremos fazer com o nosso mundo. Mas a história é sempre passado, né? Já pulamos essa etapa. Será? Do Holocausto, restaram as malas, os sapatos, as roupas e as toneladas de cabelo… implorando pra que a gente repense, faça diferente e siga vivendo em comunidade.
Excelentes, esclarecedoras e relevantes postagens…vi e li todas…belíssimas fotos.ESTAMOS D PARTIDA, SE DEUS QUISER, DIA 15/09, com foco na Cracóvia e em Varsóvia. Você aconselha levar dólar ou euro?
Oi Marcos, muito obrigada pelo comentário. Fico feliz em ter te inspirado e ajudado. Aconselho a levar euros, com certeza! Super boa viagem 🙂
Olá,
Parabéns pelo texto, muito esclarecedor! Estou indo para Auschwitz sábado pela manhã e me deixou mais empolgada ainda. Você citou sobre um artigo de um pesquisador brasileiro, fiquei bastante interessada, vc poderia me passar? Bastante grata!!
Grande abraço
Oi Bruna! Superobrigada pela visita. Fico feliz que meu texto tenha te ajudado.
Fiz uma busca n Google pra ver se eu achava o artigo que li na época e não encontrei, infelizmente. Já faz dois anos.
No entanto, há vários blogs e sites que explicam essa teoria. Encontrei este entre eles: http://verdade1945.blogspot.it/2007/10/grande-farsa-do-holocausto-judeu.html. Se estiver interessada no assunto mesmo, pesquise bem e procure informações com fontes. Tem muita coisa inventada por aí.
O que você achou de Auschwitz?
Chocante. Todo mundo que visita Auschwitz comenta sobre o peso e a energia do lugar. Seu relato me fez lembrar o filme/livro ‘O menino do pijama listrado’, que mostra essa dicotomia entre campo de concentração ou de extermínio. Mais uma vez, falando agora de arte, amei as imagens!
Li esses dias um pouco no blog do Rafa sobre o campo de concentração e hoje me deparo com o seu. Precisa ter muita paz de espírito e estrutura emocional para isso, né? Você está novamente de parabéns com tantos ricos detalhes que levam a gente a viajar até o local.
Pam, já visitei Dachau em Munique e Sachsenhausen em Berlim, mas faço questão de ainda conhecer Auschwitz!!! Visita mais do que obrigatória!!!
Pam, você sabe que ao mesmo tempo que tenho vontade de conhecer, eu acho que não teria estrutura emocional para visitar? Essas coisas de guerra sempre me emocionam muito, acho lindo mas não sei se aguentaria.
Amei teu post!
Beijos
Emocionante e chocante! Mas sempre acho bom conhecer e compartilhar a história pra que isso jamais se repita! Adorei o post, rico de informações históricas! Fotos lindas! beijos
Tenho muita vontade de conhecer algum campo de concentração. É imprescindível manter lugares assim para não deixar nunca cair no esquecimento esse momento vergonhoso da história. Fotos lindas!
Rody,
É isso mesmo. É preciso manter a história para que ela lembre os homens das atrocidades de que somos capazes.